domingo, 22 de setembro de 2013

Rotina

Tem quem diga que a rotina mata, mas é impossível escapar dela (ou da morte). Marina sabia muito bem
disso, só não se resignava e nem deixava que essa fosse sua causa mortis.
Para piorar a rotina de Marina, o seu meio de transporte diário para o trabalho era o metrô. Para ela, sortudos eram os passageiros de ônibus que podiam aproveitar uma paisagem durante a viagem. Mesmo que fosse a da Avenida Brasil.
Numa tentativa de tornar a rotina mais agradável, Marina tinha o hábito de olhá-la como se, a cada esquina, fosse encontrar algo inédito. Como acontece quando estamos em uma cidade que não conhecemos e cada esquina, prédio ou pessoa é uma deliciosa novidade.
No metrô não era possível colocar esse hábito em prática, afinal, é difícil imaginar novidades no escuro dos túneis. Mas é sabedoria popular que há sempre uma luz no fim do túnel. No caso de Marina, a luz estava no alto da escada.
Todas as vezes que subia os degraus para deixar o fundo da Terra, ainda sem conseguir ver nada além do céu, ela imaginava (se enganando deliberadamente) o que veria ao chegar no último degrau. Qual seria a surpresa? Como seriam os prédios? Haveriam árvores? Pombos comendo pipocas jogadas por um velho solitário?
Só que Marina sempre encontrava a mesma cena rotineira, dia após dia. Mas isso não a entristecia por completo, essa autoenganação valia a pena. Aqueles poucos segundos de expectativa antes da triste decepção eram deliciosos. Uma espécie de vício alimentado todos os dias pela expectativa empolgante seguida dos resultado decepcionante, cotidianamente, como um fumante que sabe dos males do cigarro, mas ainda não é capaz de largá-lo. Ela era viciada nesse ciclo de expectativa e decepção constantes.
Mas um dia a decepção não veio. Distraída pela rotina, Marina desceu na estação errada e finalmente encontrou a tão esperada surpresa a esperando no último degrau. Só não se sabe se a novidade foi melhor que a rotina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário