quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Papo de elevador

Desde que se mudara para o novo apartamento, ela desenvolvera um certo medo de encontrar vizinhos no elevador, não que antes ela fosse uma grande fã dos papos que acontecem dentro dos elevadores, mas agora era ainda pior. Talvez fosse porque todos os outros moradores fossem completos desconhecidos, talvez fosse pelo fato de ter trocado o terceiro pelo décimo quinto andar (o que tornava a viagem um tanto quanto mais longa). Mas uma coisa era certa: ela odiava aqueles papos sobre o tempo ou sobre como o vizinho do 704 sempre parava o carro atravessado ou então como o cachorro do 1206 vivia latindo nas horas mais impróprias. 
Por isso, sentiu um leve incomodo ao abrir a porta do elevador naquela manhã de segunda-feira chuvosa (sempre as piores e mais odiadas nos comentários do facebook) e encontrar quatro vizinhos espremidos naquela caixona de metal, todos muito bem arrumados prontos para seus trabalhos bem sucedidos, o que a fez se sentir ainda pior e pensar: devia ter escolhido aquela camisa de botão e acordado um pouco mais cedo pra dar tempo de passar aquele rímel bom que tinha guardado no armário e que, fazia tempos, não usava. "Putz, e ainda vou ter que me apertar aqui com eles e ainda ficar de costas pra todo mundo enquanto falamos sobre como está demorando pra esquentar esse ano", pensou. 
Bom-dias trocados, arruma daqui, arruma dali e todo mundo estava pronto para a viagem pro térreo. Foi quando finalmente chegou aquele momento tão detestado por ela, a hora do papo de elevador. Ela já estava pronta para dar aquelas respostas padrão "É mesmo chata essa chuvinha para começar a semana" ou "Quando o calor vier, vai vir com tudo mesmo".
Ela não estava nem prestando tanta atenção assim, afinal, dar respostas automáticas não demandava lá muita reflexão filosófica quando ouviu "... de Foucault?". "Oi?", perguntou ela, e o vizinho de terno bem cortado, barba bem feita e perfume importado repetiu "O que você acha da figura do panóptipo de Foucault?". Tudo que ela conseguiu foi dizer novamente "Oi?". Por sorte, a vizinha do décimo oitavo de cabelos cacheados bem arrumados como de propaganda de shampoo se adiantou em comentar "Acho interessante e penso que poderíamos fazer uma associação com o conceito deleuziano de sociedade de controle".
Ela começava a se sentir ainda mais desconfortável que o normal, olhou rapidamente o visor do elevador e ele ainda marcava o oitavo andar. Pensou em fingir que usava o celular e começou a catá-lo dentro de sua bolsa pouco organizada, mas não deu muita sorte em encontrá-lo, talvez o tivesse esquecido ligado ao carregador, como acontecia com frequência. 
Nisso, a outra vizinha de cabelos curtos e roupas moderninhas (mas com certeza de lojas bem caras) continuou a discussão "Isso demonstra um grande problema da nossa atual sociedade:a formação do indivíduo mediante os infinitos procedimentos de sujeição.". E então o vizinho do terno bonito se pronunciou novamente "Acho que a constituição social do indivíduo a partir das verdades traz em sua estrutura o jogo de forças do exercício do poder..."
Quando finalmente, para sua sorte, o visor marcou T, o elevador parou e abriu as portas para alívio dela e do outro rapaz de blusa social azul royal que não havia dito uma única palavra e que, assim como ela, devia estar também achando aquilo tudo muito estranho. E enquanto ela pensava ele também devia ter sentido falta dos tradicionais assuntos sobre o tempo ou cachorro escandaloso do vizinho, ele se despede dizendo "Qualquer coisa, se você quiser, posso te emprestar o 'Microfísica do poder'. É só interfonar, 1703. Bom trabalho!"
Foi quando ela decidiu: iria finalmente ligar para aquele anúncio da casa à venda na vila perto do prédio.

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